"[...] no final do ano passado, o poeta que entre nós mais tem actuado com uma eficácia ao mesmo tempo escandalosa e consequente apresenta-nos uma escolha deste seu comparsa que, como ele, tão longe foi no sentido de criar uma obra absolutamente incorrupta, e que por todos os meios se furta a dizer o que é suposto, a seguir as directrizes do poder. O poeta é Alberto Pimenta.
[...] Pimenta sublinha que Enzensberger «tem a arte de saber dizer aquilo que no meio disto tudo o desgosta, e porém dum modo de que se pode gostar, e talvez seja isso uma das suas mais ricas sementeiras de poesia!» Diz-nos isto no fim, depois de termos lido os poemas que escolheu [...]
[...] nesta antologia, a própria hesitação da língua é um rasgão que nos não permite avançar por estes 66 poemas sem que os sentidos vão como canários, absolutamente alerta. O que ganha relevo já não é apenas o grau da convicção, mas a noção de que o processo revolucionário da poesia está vinculado a um laboratório enfiado alguns pisos abaixo do ruído do mundo [...]
[...] Alberto Pimenta trata de ir buscá-lo ao alemão que é de Enzensberger, e fá-lo entrar, não num português que ressoa pelos anfiteatros, mas num idioma que sabe colher as imperfeições da poesia, obrigando a língua a dizer algo que está ao lado, um pouco além do seu alcance natural. E a transmissão que assim se apanha foge ao que está aí já a ser discutido; é qualquer coisa que vem do futuro. O futuro, diz-nos Enzensberger, é isso que, em face do que actualmente é dado como adquirido [...] fala como se o futuro fosse possível, como se a liberdade de expressão fosse possível entre pessoas livres, como se não estivéssemos sujeitos aos fenómenos de alienação.» E, assim, na mais leal das homenagens a Enzensberger, Pimenta muda uma vez mais a sua camisa de morte e perfuma-nos o quarto de vida.
— Diogo Vaz Pinto, Semanário Sol, 25 de janeiro 2020