Porquê e para que escreve um escritor? Muitos fá-lo-ão para serem publicados, outros para tentarem sê-lo, outros ainda para dar corpo ao canto latente das revoltas, capazes de inflamar corações e almas através do golpe afiado das palavras que lançam ao Mundo. Nenhuma destas foi a motivação de Emily Dickinson, primeira filha de uma família puritana e senhora de uma vida tão isolada do mundo como a vila de Amherst onde nasceu em 1830, na região do Massachusetts.
O que levou então aquela que, hoje, é considerada uma das mais proeminentes poetas de língua inglesa a produzir incansável e laboriosamente mil e oitocentos poemas para, em vida, publicar apenas dez? Terá sido a convicção que «Uma nota de/Um Pássaro/Vale mais do que/um milhão de palavras» (p.50), ou que «Assim como há/Quartos na nossa/Mente onde –/nunca entramos/sem pedir Desculpa –/Devemos também respeitar/o recato dos/outros»? (p.93)
Não saberemos nunca as motivações da mulher que, aos 30 anos, decidiu vestir-se perenemente de branco e isolar-se no seu quarto, em casa dos pais. Não que se esperasse que, na América puritana de 1860, uma mulher tivesse um caráter declaradamente rebelde, mas Dickinson espanta pela pureza, pela espontaneidade e pela fragilidade com que confessa a pedaços de papel os medos, as fraquezas, as dúvidas, mas também as forças e as pequenas maravilhas que observa na Natureza. A procura de algo que transcenda as paredes do quarto que a rodeiam e, simultaneamente, faça caber o mundo inteiro dentro delas, é uma constante nas linhas que escreve, por vezes em forma de simples anotações.
Descobrir Emily Dickinson através da seleção de Poemas Envelope é um exercício que desperta os cinco sentidos, que abre uma janela para a Criação a partir das abas de envelopes de papel. Como podemos ler na nota introdutória, «os fragmentos reunidos no presente volume foram escolhidos entre os textos que compõem a recolha integral dos poemas de envelope de Emily Dickinson, The Gorgeous Nothings». Ao longo das páginas, o leitor encontra fotografias dos envelopes originais, além de fac-símiles que permitem perceber o modo exato e parcimonioso com que Dickinson dispôs as palavras e as emoções em cada um deles. As edições do Saguão mantiveram ainda a versão original de cada poema, enriquecendo de sobremaneira a leitura. Significante e significado unem-se sob o signo que é a matéria de cada poema, que suplica ao mundo que abrande e sussurra, «Nesta fugaz Existência/que dura apenas uma hora/somente/Quanto – quão/pouco –/ podemos» (p.33).
– Mariana Almeida Nogueira, Revista Brotéria, Janeiro 2021
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