«Era um medonho brasio” (p.31); “Olhando para lá da sombra vi as serpentes marinhas:/ Moviam-se ao longo de linhas/ Cujo rasto alvejava./ De cada vez que se erguiam uns brancos flocos caíam/ E eram a luz encantada.” (p.33) O medo surge dramatizado de forma engenhosa e impressiva — “Como duma taça, o medo sorvia-me do coração/ O coração da minha vida.” (p.27) Num navio de terror, a Morte e a Morte-em-Vida jogam aos dados a sorte dos embarcadiços. O destino do Velho Marinheiro viria a ser o de rumar, “errante como a noite” (p.57), forçado a revelar no seu exemplo o seu pecado, a audácia da sua impiedade. [...] O interesse de Coleridge pela balada está patente na forma como foi vertido o título desta magnífica tradução de Alberto Pimenta [...]. Inédita durante cinco décadas, a tradução de Pimenta, parte da sua tese de licenciatura, demonstra a fulgurância dos seus poderes de escrita e reinvenção, bem como o desvelo com que este poeta tratou a música do poema, por exemplo, com sinais indicativos de pausa de semínima em cada verso — “Era noite, noite calma já a Lua ia alta;/ E os mortos todos juntos se haviam ido pôr.” (p.45) [...] Além de recuperarem uma tradução brilhante, como trabalho filológico e recriação poética, há meio século deixada inédita — “no saguão”, como diz o cólofon —, as Edições do Saguão incorporam, ainda, ilustrações que reproduzem as gravuras de Gustave Doré para uma edição de 1876 do poema. Fazem-no numa edição de impecável acabamento, na montagem dos seus elementos: capa, ilustrações, tipos e manchas tipográficas.» |
Hugo Pinto Santos, Suplemento Ípsilon, Jornal Público de 4 de Janeiro de 2018
https://www.publico.pt/2018/01/04/culturaipsilon/critica/o-canto-enigmatico-do-mar-1797546