A UMA HORA INCERTA, PRIMO LEVI
Título: A UMA HORA INCERTA
Autor: PRIMO LEVI
Título original: AD ORA INCERTA
© GARZANTI EDITORE S.P.A, 1984, 1990, 1998;
© 2004, GARZANTI LIBRI S.P.A., MILANO
Gruppo editoriale Mauri Spagnol
Tradução e posfácio: Rui Miguel Ribeiro
Revisão: Mariana Pinto dos Santos
Design e paginação: Rui Miguel Ribeiro
1a edição
Tiragem: 1000 exemplares
isbn: 978-989-35051-5-1
PVP: 16,00€
Saguão, 37
Depósito Legal: 541448/24
Apresentada pelo próprio em tom menor no texto que abre a sua recolha, Primo Levi reconhece na sua relação com a poesia uma forma de impulso inicial face à memória da própria experiência, um impulso que antecipava a sua vontade racional, um impulso contraditório: «Sou um homem que acredita pouco na poesia e que, no entanto, a pratica. Qualquer razão para isso há.»
Esta razão, que se manteve até ao final da sua vida, estaria na possibilidade de «a poesia lhe parecer mais idónea do que a prosa para transmitir» o que tinha dentro de si, face às formas de horror e de ameaça com as quais a humanidade se confrontava e como, no decorrer do século XX, as via serem interpretadas, simbolizadas e transformadas em retóricas públicas e políticas. A razão dessa escrita permitia-lhe que certas palavras uma vez escritas num momento concreto, como no caso do poema «Shemà» que introduz o verso «considerai se isto é um homem», pudessem, in-vocando a poesia, ultrapassar o momento original e ser um argumento «em suma, para todos os casos em que se coloca a questão de saber se a humanidade, no sentido mais pessoal da palavra, é preservada ou perdida, se é recuperável ou não».
O título deste volume de poemas vem de um verso de A Balada do Velho Marinheiro, de S. T. Coleridge: «Desde então, a uma hora incerta», é o verso 582 da balada e cuja estrofe completa, «Desde então, a uma hora incerta, / Aquela aflição regressa, / E se não encontra quem o oiça / Queima-lhe no peito o coração» e ressurge também nos primeiros versos de um dos poemas desta recolha intitulado «O Sobrevivente». A importância desta estrofe traduz bem os dois períodos que concentram o maior número de poemas nesta edição, o primeiro período entre 1945-46 aponta para a identificação com o próprio marinheiro da balada: Levi no seu regresso de Auschwitz também se sentia dotado de um «estranho poder de falar» (verso 586) e com a mesma necessidade de deter quem passava e contar sua viagem: «Tinha-me tornado igual ao velho marinheiro da balada de Coleridge, que na rua agarra pelo peito os convidados que vão para a boda para lhes infligir a sua história sinistra de malefícios e fantasmas». Mas relativamente ao segundo período que reúne poemas de 1983-84, Levi explica que se tratou de «um momento muito difícil. A publicação do romance [Se não agora, quando] coincidiu com a crise no Líbano que era uma crise para todos, não apenas para os judeus [Primo Levi, juntamente com outros intelectuais judeus italianos, criticou duramente na imprensa a invasão por parte de Israel, e a sua deriva militarista e consequentes actuações do governo israelita que «evocava uma linguagem de triste memória para cada judeu»]. Pareceu-me natural, de novo, abrir caminho a uma linguagem poética». Embora mantendo um mesmo tom lapidar, estes poemas operam uma leitura moral da realidade e as perguntas que continuam a pontuar os seus versos, recorrendo a personagens simbólicas e a antropomorfismos, apontam para a indignação como um património comum. Trata-se de poemas que Levi quis que falassem de viva voz, numa via directa.
Excerto a partir do texto do posfácio Primo Levi, um estranho poder de falar de Rui Miguel Ribeiro